sexta-feira, 26 de outubro de 2012

CAPITULO 8 : Caminhos De Rato Na Babilônia Da Informação

A TAZ COMO UMA TÁTICA radical consciente emergirá sob certas condições:
l. Liberação psicológica. Isto é, nós devemos perceber (tornar reais) os momentos e espaços nos quais a liberdade não é apenas possível, mas existente. Devemos saber de que maneiras somos de fato oprimidos, e também de que maneiras nos auto-reprimimos ou estamos presos em fantasias onde ideias nos oprimem. O TRABALHO, por exemplo, é uma fonte muito mais real de sofrimento para a maioria de nós do que a política legislativa. A alienação é muito mais perigosa para nós do que as velhas
ideologias desdentadas e moribundas. O vício mental em "ideais" - que na realidade tornaram-se meras projeções do nosso ressentimento e do nosso complexo de vítima - nunca levará nosso projeto adiante. A TAZ não defende uma utopia social feita de castelos nas nuvens que diz que devemos sacrificar nossas vidas para que os filhos de nossos filhos possam respirar um pouco de ar livre. A TAZ deve ser o cenário da nossa autonomia presente, mas só pode existir seja nos considerarmos seres livres.
2. A contra-net deve se expandir. Atualmente, ela representa mais abstração do que realidade. Zines e BBS trocam informações, o que é parte do fundamento necessário para a TAZ, mas pouco dessas informações lidam com os bens concretos e os serviços necessários para a vida autônoma. Não vivemos no ciberespaço; sonhar que o fazemos é perder-se na cibergnose, na falsa transcendência do corpo. A TAZ é um lugar físico, no qual estamos ou não estamos. Todos os sentidos estão, necessariamente, presentes. De certa maneira, a web é um novo sentido, mas que deve ser adicionado aos outros; e os outros não podem ser subtraídos da web, como em uma terrível paródia do transe  místico. Sem a web, a completa realização do complexo da TAZ não será possível. Mas a web não é um fim em si mesma. É uma arma.
3. O aparato de controle - o "Estado" - deve (ou pelo menos assim devemos pressupor) continuar a desfazer-se e petrificar-se simultaneamente, deve prosseguir em seu curso atual, onde a rigidez histérica cada vez mais mascara um vazio, um abismo de poder. Como o poder "desaparece", nossa ânsia de poder deve ser o desaparecimento. Já lidamos com a questão que discute se a TAZ pode ou não pode ser considerada "meramente" uma obra de arte. Mas as pessoas vão querer saber também se a TAZ é mais do que um pobre caminho de rato no meio de uma Babilônia da informação, talvez um labirinto de túneis, cada vez mais bem conectados entre si, porém voltados unicamente ao beco-sem-saída econômico do parasitismo pirata? Responderei que prefiro ser um rato num buraco de parede do que um rato na gaiola, mas insisto em dizer que a TAZ transcende essas categorias. Um mundo onde a TAZ consiga deitar raízes pode se assemelhar ao mundo imaginado por "P.M" em sua novela fantástica bolo’bolo. Talvez a TAZ seja um "proto-bolo". Já que a TAZ existe agora, ela significa muito mais do que uma mundanalidade negativa ou um escapismo contracultural. Mencionamos o aspecto festivo do momento descontrolado, e que se concentra numa espontânea, ainda que breve, auto-organização. Ele é "epifânico": uma experiência de pico, tanto em nível social quanto individual.
A liberação é percebida durante o esforço: essa é a essência da "auto-superação" nietzscheana. Essa tese pode também tomar como símbolo o andarilho de Nietzsche. Ele é o precursor do vagar a esmo, no sentido dado pelo situacionismo para dérive e da definição de Lyotard para driftwork. Podemos antever uma geografia completamente nova, um tipo de mapa de peregrinação no qual os lugares sagrados são substituídos por experiências de pico e TAZ: uma ciência real de psicotopografia, para ser
chamada talvez de "geo-autonomia" ou "anarcomancia". A TAZ pressupõe um certo tipo de ferocidade, uma evolução da domesticalidade para a selvageria, um "retorno", e ao mesmo tempo um passo adiante. Ela também demanda uma "ioga" do caos, um projeto de ordens "mais elevadas" (de consciência ou, simples-mente, de vida) das quais uma pessoa se aproxima "surfando a crista da onda do caos", do dinamismo complexo. A TAZ é uma arte de viver em contínua elevação, selvagem, mas gentil - um sedutor, não um estuprador, mais um contrabandista do que um pirata sanguinário, um dançarino e não um escatológico.
Vamos admitir que temos frequentado festas onde, por uma breve noite, realizamos um império inteiro de desejos gratifícantes. Não devemos confessar que a política daquela noite tem mais realidade e força
para nós do que, digamos, todo o governo dos Estados Unidos? Algumas das "festas" que mencionamos duraram dois ou três anos. Isto é algo que vale a pena imaginar, para o qual vale a pena lutar? Estudemos invisibilidade, conexões na web, nomadismo psíquico, e quem sabe o que poderemos atingir?
Equinócio de Primavera, 1990