sexta-feira, 26 de outubro de 2012

APÊNDICE A : Caos Linguístico

AINDA NÃO UMA CIÊNCIA, mas uma proposição: que certos problemas de linguística possam ser resolvidos através da abordagem da linguagem como um sistema dinâmico complexo, ou "campo caótico". De todas as escolas originadas pela linguística de Saussure, temos especial interesse por duas: a primeira, "antilingüística", pode ser encontrada - no período moderno - da partida de Rimbaud para a Abissínia à afirmação de Nietzsche "temo que, enquanto tivermos gramática, não teremos matado Deus"; passando pelo dadaísmo; "o Mapa não é o Território" de Korzybski; pelos cut ups e pela "ruptura na sala cinza" de Burroughs; pelo ataque de Zerzan à própria linguagem como representação
e mediação. A segunda é a linguística de Chomsky que, com sua crença numa "gramática universal" e seus diagramas em forma de árvores, representa (eu acredito) uma tentativa de "salvar" a linguagem através da descoberta de "invariáveis ocultas", do mesmo modo que certos cientistas estão tentando
"salvar" a física da "irracionalidade" da mecânica quântica. Embora fosse de se esperar que Chomsky, como anarquista, ficasse do lado dos niilistas, a sua belíssima teoria em verdade tem mais a ver com o platonismo ou com o sufísmo do que com o anarquismo. A metafísica tradicional descreve a linguagem como luz pura brilhando através dos vidros coloridos dos arquétipos; Chomsky fala de gramáticas "inatas". As palavras são folhas, os ramos são frases, os idiomas maternos são limbos, as famílias de linguagem são troncos e as raízes estão no "céu"... ou no DNA. Eu chamo a isso "hermetalingüística" - hermética e metafísica. O niilismo (ou a "Metalingüística Pesada", em honra a Burroughs) parece-me ter levado a linguagem para um beco sem saída e ameaçado torná-la "impossível" (um grande feito, mas deprimente), enquanto Chomsky mantém a promessa e a esperança de uma revelação de última hora, o que eu acho igualmente difícil de aceitar. Eu também gostaria de "salvar" a linguagem, mas sem apelar para nenhuma "Assombração", ou supostas regras sobre Deus, dados e o universo. Voltando a Saussure e suas anotações, postumamente publicadas, sobre anagramas na poesia latina, encontramos certas indicações de um processo que, de alguma forma, foge da dinâmica signo/significante. Saussure se deparou com a possibilidade de algum tipo de "meta"- lingüística que acontece dentro da linguagem em vez de ser imposta desde "fora" como um imperativo categórico. Assim que a linguagem começa a atuar, como nos poemas acrósticos que ele examinou, ela parece ressonar com uma complexidade autoexpansiva. Saussure tentou quantificar os anagramas, mas os números escapavam dele (como se envolvessem equações não-lineares). Além disso, ele começou a encontrar os anagramas por todo lado, mesmo na prosa latina. Começou a se perguntar se estava
tendo alucinações, ou se os anagramas eram um processo natural inconsciente da parole. Abandonou o projeto. Eu me pergunto: se quantidades suficientes de informações desse tipo fossem digeridas num computador, começaríamos a ser capazes de modelar a linguagem em termos de sistemas dinâmicos complexos? As gramáticas, então, não seriam "inatas", mas emergiriam do caos espontaneamente como "ordens superiores" que evoluem, no sentido da "evolução criativa" de Prigogine. As gramáticas poderiam ser pensadas como "Estranhos Atratores", como o padrão escondido que "causou" os anagramas - padrões que são "reais", mas que têm "existência" apenas em termos dos sub-padrões que manifestam. Se o significado é elusivo, talvez seja porque a própria consciência, e portanto a linguagem, seja fractal. Considero essa teoria mais satisfatoriamente anarquista do que qualquer antilingüistica ou chomskyanismo. Ela sugere que a linguagem pode sobrepor-se à representação e à mediação, não porque seja inata, mas porque é caótica. Ela sugere que toda experimentação dadaísta (Feyerabend designou sua escola de epistemologia científica de "dadaísmo anárquico") com poesia sonora, gestos, chistes, linguagem bestial etc. não foi feita com o objetivo nem de descobrir nem de destruir o significado, mas de criá-lo. O niilismo afirma sombriamente que a linguagem cria significado de forma "arbitrária". O Caos Linguístico alegremente concorda com isso, mas adiciona que a  linguagem pode superar a linguagem, que a linguagem pode criar liberdade a partir da confusão e da  decadência da tirania semântica.